Da alma dos objetos

Construir talvez não seja um verbo preciso para uma aproximação com o trabalho de Herbert Bender. Mas é também inegável que o conceito construtivo perfaz de modo importante o seu fazer. Afinal, é nesta tangente sutil entre o construir e o intuir que reside a força poética da obra, tão bem representada pelo elemento que recobre os objetos: a areia. Signo mínimo do espaço e do tempo, metáfora do átomo, a areia por um lado articula a história a que o trabalho construtivo sempre e de alguma maneira está ligado, e por outro simplesmente o libera de quaisquer amarras a essa mesma história, tornando-o uma experiência indiscutivelmente contemporânea. Se a areia é a permanência do tempo, é também uma contundente afirmação de movimento, o espaço se abre e o processo se põe às vistas.

E é assim no movimento que a obra envolve o olhar de quem se aproxima, traindo qualquer expectativa de uma contemplação passiva, fundada na separação entre objeto e observador. Aqui o objeto é minuciosamente composto pelo movimento vivo do mundo e das coisas, movimento que é a própria intuição do artista, atuando de forma ativa e lúdica sobre as investidas da racionalização. Deste modo, Herbert Bender se apropria da concretude que perfaz seus objetos para logo subvertê-la no jogo da imaginação. Os objetos são arrancados da rigidez de seus contextos, significados e utilidades para comporem um universo aberto no conjunto espaço-temporal da obra. E nessas novas existências eles são então propostos como jogo e ritmo, alternância de pesos, ambiguidade entre vazio e significação.

Mas é claro que a obra contempla uma imagem maior, latente tanto no modo como as peças são arranjadas como pelos materiais empregados e suas respectivas ordens de movimento e composição. A areia que os funde em peças únicas também os fossiliza, instaurando uma temporalidade de dimensões geológicas e por isso mesmo transbordantes. Tudo então se torna transparente: objetos reconhecíveis que no entanto escorregam, perdem-se no tempo, postos num movimento que ordem alguma é suficiente para romper. O espaço se revela assim em intensidades e direções variáveis, dando encontro entre público e artista no campo aberto da criação: o grão de areia restitui a fluidez da matéria, abstrata e potente por natureza, neutralizando o jogo esquivo das aparências.

 

* Texto de apresentação da exposição “Além de areia”, do artista Herbert Bender, integrante do catálogo do Prêmio IEAVI 2015.