Fósseis inscritos

As telas desta exposição* são metades indissociáveis de um diálogo. Não só por serem parte de uma mesma série de pinturas, apresentadas como trabalho de conclusão do curso de pós em Artes Visuais da Feevale, mas pela forma como esses dois trabalhos em particular foram realizados. Ambas começam e terminam pelo gesto, mas um tipo de gesto que acontece entre o legado do expressionismo abstrato norte-americano e a tradição da caligrafia japonesa.

Esse encontro de tradições em princípio tão díspares é antes de tudo uma aproximação por tensão e semelhança. De um lado, a expressividade expansiva, a liberdade enérgica do gesto expressionista, a abstração como universo potente. De outro, a serenidade do Zen Budismo japonês, ao qual a tradição caligráfica se filia, canalizando a torrente do corpo e da mente em gestos precisos, preservando a austeridade do espaço.

São trabalhos que partem do gesto e da inscrição para em seguida verem erigir-se um entorno, um fundo que afinal os enforma como fósseis, gestos fósseis. As cores são poucas e mantém uma vibração gráfica e quase monocromática, empalidecidas pelo intenso trabalho físico de movimento e sobreposição. E o que persiste é essa inscrição que rasga um espaço de massa densa, criando um campo expressivo que então é convidado a dobrar-se, austero e vazio. As linhas circunscrevem o espaço como o pensamento ao corpo. Se a caligrafia é a grafia do pensamento, a expressividade é produto da intuição, indício de presença.

Nesse sentido, Alaska é uma alusão ao gelo que tudo fossiliza. No caso, a riqueza de um gesto que num fôlego se desdobra no espaço. Já em Estruturas sobre o nada a alusão é mais direta à filosofia Zen, que postula amparar toda a complexa trama psicológica e somática que constitui a unidade humana sobre nada, um intrépido vazio. Assim, se “Alaska” fossiliza o tempo e presentifica um gesto passado, “Estruturas” sobrepõe gestos presentes que projetam um espaço suspenso, um futuro talvez. Em ambas, um único ato pictórico que articula o gesto e o pensamento,  restituindo ao corpo um estado de presença.

 

* Texto produzido à respeito da exposição “Estéticas Contemporâneas em Poéticas Visuas”, realizada na Pinacoteca da Feevale, em março de 2013.